sexta-feira, 9 de junho de 2017

Expediente

A depressão não respeita o horário comercial.
Não posso vestir o uniforme mal costurado de minha própria vontade -
Minhas pernas rangem, estou atrasado pro trabalho;
Só os trovões iluminam meu corpo sem vida e
A frente os carros colidem pra lembrar do que é efêmero:
Minha cabeça na bandeja dos gerentes,
Meu coração no cinzeiro dos patrões.

Me sinto como um pássaro enjaulado por ser feio, exótico,
Não consigo tocar o mundo lá fora
Os músculos em tremores, convencidos pelas grades de que não tem conserto
Permanecem trancados.
Meus membros foram rasgados.
Estou destruído.

Como um cão velho, abandonado no quintal, cego e surdo,
Definhando na chuva; sentindo dor só pra sentir alguma coisa.
Tentando rasgar o concreto com as unhas gastas;
Tentando esconder a cabeça no chão, tamanha a vergonha que tenho de existir...
Mastigando a angústia de lutar pra não esquecer a cor do céu,
De sentir o cheiro de grama verde sem encontrá-la.
De morrer aos poucos e não de uma vez.
Morro aos poucos.


Não sou capaz de enxergar na névoa que cobre meu espírito -
Bater o martelo por oito horas por dia não me liberta
E nem dá o veredicto aos meus demônios que vivam no inferno -
Se o fizesse, talvez os encontraria nos salões e escritórios,
Talvez batessem na porta quando o encarregado me permitisse ir ao banheiro.
Talvez batessem o cartão e se sentassem no gabinete ao lado
Sorrindo com dentes amarelos suas ordens,
Sua produtividade maior que a minha,
Sua capacidade de me demitir das pequenas alegrias que tenho como humano.


Minha carne é banquete pras formigas,
As sinto caminhar por meus olhos de vidro, a comer minhas córneas.
Sinto-as pelas mãos fracas que não conseguem segurar as moedas velhas que são minhas;
Sinto-as pelas mãos machucadas que já não tem tempo pra se estender nem pra tocar um rosto amigo. Sinto-as pelas mãos que já não me pertencem;
Pertencem aos juros, à hipoteca, às dívidas.
Estou pobre de mim mesmo.
Pobre e degenerado.

Como um jardineiro que vislumbra belas paisagens,
Planta as sementes com calma e cuida com amor e
Depois é chicoteado até virar as costas.
Rangendo os dentes em agonia
Imagino os frutos apodrecendo no chão
E amaldiçoo a tempestade que vai arrancar minhas flores pelas raízes.
Sinto de longe meu amor caído e morto; Pálido e seco pois,
Agora leproso, já não posso nutri-lo.


A depressão não respeita nada disso,
Pelo contrário: Faz chacota enquanto me arranca a alma,
E eu, envergonhado e curvo, continuo tentando suar
A dor de nascer junto ao Sol e não vê-lo crescer.
E eu, menos que um cão e me debatendo no chão
Aguento sorrindo até o fim do expediente