quarta-feira, 30 de março de 2016

O Peso do Mundo Sobre Meu Rosto

Acordei; Era noite.
Fui dormir; 'inda era.

Atribuo o fracasso ao otimismo
Por isso o temo, corro
E o escondo sob meus lençóis
E deixo-o como se
Sempre houvesse otimismo lá.
Mas nem sempre há
E acordo sozinho e suado
A maioria das vezes

Tanto pesa-me a vida
Que vejo o espelho
Com olhos baixos, nos cantos;
E por todas as ruas
Cada cidadão indaga-me
'Dormiste direito?'
Ao que respondo
Silêncio que diz que

Fui dormir; era noite
Acordei; 'inda era.

Tento salvar um cigarro
De sua queda em uma poça d'água
Tento reascendê-lo, reanimá-lo
Porque não posso reanimar-me
De minha própria queda
E procuro em minha cama
Sem encontrar nada
Porqu'ela foi embora com tudo que é meu
E meus filhos não vão nascer
E se nascerem, nem saberei

Mas antes havia sim,
Algo que parecia um teatro
Haviam belas dançarinas e
Haviam holofotes sobre mim
E meu corpo era estudado
Pelas mãos que mais o conheciam
E que o acalmavam até que dormisse

Mas a noite nem chegou ao fim
E os papéis foram trocados
E as mãos de todos sobre o palco
Conheciam tantos outros corpos
Que nem podiam contá-los nos
Mais de cem dedos que somavam
E eu nunca mais descansei
Para tentar ensaiar discursos que
Me fizessem parecer com eles

Deitei-me em minha cama
Que estava vazia e precisava
De alguma companhia que fosse,
Pois já era dia.

E..
Quando acordei,
Já não era mais dia,
Já não havia mais nada
E, desde então,
Até durmo, até acordo
Mas é sempre noite

Aos Filhos das Mesmas Mães

Tempo esgotado.
Saimos da infância para entrar em queda livre
Só então vimos o quanto correr demais
Escurecera nossas vistas e enfraquecera nossas pernas.
Você me disse, com os olhos,
Que um dia poderíamos voltar e que nossos quartos estariam iguais,
Que nossas mães não teriam rugas nos rostos,
Que nossos pais não teriam as mãos machucadas,
Então perdi o medo,
Mas tive que calar o coração com álcool,
Pra suportar a estrada até lá.
E agora pegar os cacos de vidro que deixamos pra trás
Faz sangrar demais
Não porque fomos traídos, mas porque é seu papel no mundo.
Criamos cães que nos odeiam
Por tê-los esquecido, deixado na sarjeta.
Você não vê, agora, que não sabemos ler as placas
E entender os sinais de que estamos totalmente perdidos?
E você nunca vai pedir desculpas.
Mesmo engolido pelas sombras das máquinas dessa cidade,
Você não vai pedir desculpas.
Mesmo que se arrependa a cada segundo.
São tantas as pessoas sobre as pernas-de-pau do ego
Inflando como balões e chegando perto demais do Sol
E são tantas outras que enfiam a cabeça em sacos plásticos
Para não ter que ver o quanto dói existir;
E agora que nossas pernas estão fracas demais pra fugir,
Da escolha que temos que fazer
Precisamos de mais tempo.
E..
Saber que o tempo se esgotou..
Dói demais.



"Eu caminhei,
Não podia fazer nada além de caminhar
E então..
Me vi caminhando na frente de mim mesmo.
Cuidado com o vão da porta.
É uma realidade separada.
O único eu sou eu
Tem certeza

De que o único você é você?"

quarta-feira, 23 de março de 2016

Comum a Todos os Homens

Tudo que você ama um dia o deixará.
o que ficar, o irá destruir.
Dito isso, resta o silêncio.
Aquele que odeias com todas as forças,
que, como um demônio insone,
Não o deixa pregar os olhos na noite.
E, se agarras, com unhas e dentes,
a vista d'uma janela de apartamento
Para convencer-te de que há, ainda, algo de belo
Nas noites em que é possível ver a lua,
Talvez veja, esta mesma janela,
Teu corpo ser lançado, aflito e desesperançoso
No abismo comum a todos os homens.
Pois todo ser na Terra quis, por uma noite,
ter surdos os ouvidos para os nomes de seus amores,
E cada coração despedaçado
Ansiou triste o abraço e o calor de alguém que fosse
Mesmo que por piedade ou tédio.
Tu, que busca num copo de conhaque
As mãos afáveis de uma mãe
Encontrará, assustado, as sombras macabras dos chicotes de teu pai.
E tu, que gritas no escuro,
Fera aleijada pelo descaso, cheia de vazio e angústia,
Terá cem dedos e, ainda assim, há de perder a conta dos fracassos.
Pois teu Deus não é Pai, nem filho,
Teu Deus é carne, osso e fumaça
E se a ele és Fiel, como uma esposa estuprada
Calada e repreendida incontáveis vezes,
Ele, como tudo que um dia amaste,
O deixará, enquanto dormes.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Quem me dera

Quem me dera
Deixar a vida passar
Através do meu corpo
Sem peso.
Não me ajoelhar
Para olhar nos olhos
A criança que sou
Escondida embaixo
Do tapete imundo,
Atrás do sofá barato,
Da cortina de tecido ruim.
Quem me dera
Ouvir meu nome e não
Sentir vergonha.

Quem me dera
Deixar quietos, dormindo
Meus erros e falhas
Não empilhá-los
Sobre minhas costas
E não tentar
Subir montanhas inalcançáveis.
Nem tentar,
Por saber
Que qualquer um conseguiria
Menos eu.

Quem me dera
Não saber disso.

Reis, todos eles
Sobre os montes onde
Me curvo,
E morro todo dia.
Nos morros onde sou pó,
Deuses e heróis.
Eu, coveiro de mim mesmo
Me enterro,
Cavando, com as unhas, a terra.
E, por baixo da terra,
O fracasso;
Alimento para as árvores,
O medo;
Enxarcando-lhes as raízes.
'Elas zombam de mim.
Suas vozes
Sangram meus ouvidos
Espero que a surdez as cale.
Até lá, sufoco.

Nos vales onde
Caminho toda noite,
Sou só mais um moribundo.
Piso sobre as lápides
Mas nem os mortos
Se incomodam comigo.
Nesses vales
Todos são mais fortes que eu
Me enfrentam
Em batalhas imaginárias
E antes que
Empunhe as armas
Que sequer tenho
Já estou derrotado,
Pois assim nasci
E porque está
Tatuada em meu corpo
A fraqueza
De ser eu mesmo.

Quem me dera
Não sabe disso.

Vou acordar mais um dia
Contra todas
As expectativas
E vou chutar
As pedras que estiverem
No caminho,
Mas elas ainda
Estarão lá quando
For a hora de voltar.
E quando me deitar
Não vou dormir
Porque elas se deitarão
Comigo em minha cama.
E quando tentar sonhar
Com os olhos ardendo
Tamanho o cansaço
Por não pregar os olhos há dias,
Meu coração doerá
Porque elas jamais
Me abandonarão novamente.

E quanto mais..
Quanto mais eu tento
Me livrar de tudo isso
Quanto mais eu tento
Esquecer quem sou
Disfarçar a miséria
Enxergar alguma
Beleza na vida, sequer
Algo leve, que seja.
Mais percebo
Que
Talvez não
Pertença..
Ao mundo dos vivos..

Quem me dera..
Não saber disso..

sexta-feira, 18 de março de 2016

Laranja e Verde

Tivesse alguém me dito
Que as folhas que cairam jamais seriam verdes novamente
Que os filhos que não nasceram, jamais cresceriam para ver o mundo
Talvez seria menos otimista ainda.
(Por incrível que pareça)
Mas não me disseram e, esperando a próxima estação
Esgotei-me
E já não tenho entusiasmo que faça com que o tempo volte.

Outrora os céus se enchiam do laranja de teu cabelo
E o oceano vestia-se do verde de teus olhos
Agora só há cinza, no céu e no oceano.
Viraste as costas e deste de ombros ao mundo
Cuspiste nas estátuas uma vez erguidas em teu nome,
Escarraste em mim, em cada palavra que saiu de minha boca.
Eu fui sincero, me doei
E já não tenho voz e nem forças pra curar minha mudez.

A cidade está vazia e assim permanecerá,
Todos foram visitar seus pais,
Alguém a quem tenham, alguém a quem amam.
Levam flores; presenteiam vivos e mortos.
E pra mim, tu estás morta,
E, mesmo que estejas enterrada em meu jardim,
Não quero mais visitar-te; ver teu rosto
E sentir o desprezo em teus olhos estáticos,
Já não tenho flores pra colher pra ti, afinal.

A cidade está vazia e cada vez mais distante.
Todos mudaram-se para um lugar melhor,
Um jardim gentil, alguma outra cidade sem nome.
Poderia pintá-la enquanto dormem
Tirar forças da alma e tingir aço e asfalto
Mas o cinza é mais forte que eu,
E já não existe cor que possa curá-lo.

E foi assim que a vida correu,
Tivesse alguém me dito que assim seria,
Talvez seria menos otimista ainda
E teria me poupado de ficar olhando pro mundo
Pro resto de minha vida miserável
Esperando alguma coisa sequer
Que me lembre como era
Antes de você ir embora.