quinta-feira, 22 de maio de 2014

Tibet Emocional

No alto do Tibet existe um corpo
À ser encontrado quando Deus
Já não quiser o bem do mundo e dos homens.
Há anos exposta ao frio,
Sob seu corpo há uma semente que jamais germinará.
Abraçados de forma torta, riem
- Ventres inócuos que possuem, jamais ousariam lacrimejar.
De tempos em tempos, sopra o vento seu mantra eterno:
"Apenas um instante e todo corpo será desmembrado,
Um piscar de olhos e não haverão mais os sentidos,
Estará tudo perdido no vasto manto de neblina que cobre esta região".
No alto do Tibet, não existe lei maior que a solidão:
Todo corpo é periférico,
Todo templo está adoecido, curado de sua própria humanidade.
É difícil acreditar que cairemos quando não estamos no topo,
Mas as quedas, às vezes, nos acordam antes mesmo de dormir.
Há este rapaz, então, há muito imóvel, no interior do mundo.
Conta-se a história de seu fim,
Tal como contam a história de como o mundo virá a acabar:
Fechou os olhos, fingiu adormecer
E aguardou que todos saíssem de seu lar,
Quieto e sem fazer alarde, jamais moveu-se novamente.
Nas paredes de seu quarto estão, supostamente,
Escritas suas últimas palavras:
-"Vou simular um coma eterno,
Para que não sintais remorso
Quando derrubarem meu corpo, num tropeço.
E quando estiver no chão,
Explicai-me então, de uma vez por todas,
Falando em alto e bom tom, o motivo pelo qual
Mesmo com os braços de mil homens e mulheres,
Sou incapaz de tocar-lhes e,
Mesmo com cem mil olhos no rosto,
Sequer fui capaz..
De derramar uma só lágrima."
Jamais um só ruído se ouviu naquela região.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Tu, Teu Ventre e o Passado

Nos abraçamos, um dia,
Eu com minha cabeça por sobre teu ventre e,
Teu ventre agora é passado.
Emboloramos lado a lado, mas não juntos,
Esquecidos embaixo da mesa, nem mesmo os vermes nos quiseram comer.
Nos vãos, nas frestas do assoalho, éramos nós,
Como uma borboleta que sai do casulo,
Apenas para tentar alçar voo, falhar e ser engolida pelas dores do mundo.
Nós agora somos passado;
Foi assim que pereceremos.
Me lembro bem dos sonhos que tinha
- Sobre um morro de carvão onde os monges caminhavam,
Descalços, jamais urravam ou gemiam, pisavam firme.
Lá em cima, não havia leito para se deitar,
Lá em cima, não havia sono à saciar,
Apenas os pés descalços sobre as dores do que já havia virado cinza. -
Tais sonhos agora são passado.
[Tenho para mim que jamais serei monge]
Aqui, a verdade é a sarjeta.
Dela brota todo tipo de vida podre,
Que se arrasta pelo chão frio à implorar por socorro.
E foi assim que um dia, no passado,
Vieste até mim e nos abraçamos.
Aqueles abraços, agora, são passado,
E - embora estejamos lado a lado -
Sequer somos capazes de tocar um ao outro.