terça-feira, 9 de setembro de 2014

Quem Dorme na Noite de Terça

"Quem é que dorme na noite de terça?"
...
Todo mundo dorme na noite de terça..
Menos quem está angustiado,
Esses estão se revirando na cama;
Os que trabalham demais,
Estão calculando quanto tempo falta para acordar;
E aqueles que são ansiosos...
Certamente sonham acordados com o que vai dar errado depois;
Também não dorme quem está triste,
As lágrimas os acordam a cada segundo;
Quem não tem paz,
Os ouvidos zombem e não os deixam pregar os olhos;
As crianças, como dormiriam..
Se há monstros embaixo do estrado de madeira?;
Todos dormem na noite de terça,
Mas os que se importam fecham os olhos e ainda veem coisas;
E os que se inspiram pela dor,
Estão acordados porque nem perceberam o cair da noite;
Alguns estão sozinhos, deveriam dormir,
Mas a solidão tem as mãos frias sobre sua pele;
Aos que temem a noite,
Suas noites são meses de olhos abertos..
Os pais também, só fingem que dormem
Pois seus filhos choram alto pelos cômodos..
Ah! e os que tem fome,
Porque não há cama para que se deitem;
Eu.. Aqui.. Também não durmo!
E, deitado, algo me vem a cabeça:
"Quem é mesmo que dorme, nessa maldita noite de terça?"

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Tibet Emocional

No alto do Tibet existe um corpo
À ser encontrado quando Deus
Já não quiser o bem do mundo e dos homens.
Há anos exposta ao frio,
Sob seu corpo há uma semente que jamais germinará.
Abraçados de forma torta, riem
- Ventres inócuos que possuem, jamais ousariam lacrimejar.
De tempos em tempos, sopra o vento seu mantra eterno:
"Apenas um instante e todo corpo será desmembrado,
Um piscar de olhos e não haverão mais os sentidos,
Estará tudo perdido no vasto manto de neblina que cobre esta região".
No alto do Tibet, não existe lei maior que a solidão:
Todo corpo é periférico,
Todo templo está adoecido, curado de sua própria humanidade.
É difícil acreditar que cairemos quando não estamos no topo,
Mas as quedas, às vezes, nos acordam antes mesmo de dormir.
Há este rapaz, então, há muito imóvel, no interior do mundo.
Conta-se a história de seu fim,
Tal como contam a história de como o mundo virá a acabar:
Fechou os olhos, fingiu adormecer
E aguardou que todos saíssem de seu lar,
Quieto e sem fazer alarde, jamais moveu-se novamente.
Nas paredes de seu quarto estão, supostamente,
Escritas suas últimas palavras:
-"Vou simular um coma eterno,
Para que não sintais remorso
Quando derrubarem meu corpo, num tropeço.
E quando estiver no chão,
Explicai-me então, de uma vez por todas,
Falando em alto e bom tom, o motivo pelo qual
Mesmo com os braços de mil homens e mulheres,
Sou incapaz de tocar-lhes e,
Mesmo com cem mil olhos no rosto,
Sequer fui capaz..
De derramar uma só lágrima."
Jamais um só ruído se ouviu naquela região.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Tu, Teu Ventre e o Passado

Nos abraçamos, um dia,
Eu com minha cabeça por sobre teu ventre e,
Teu ventre agora é passado.
Emboloramos lado a lado, mas não juntos,
Esquecidos embaixo da mesa, nem mesmo os vermes nos quiseram comer.
Nos vãos, nas frestas do assoalho, éramos nós,
Como uma borboleta que sai do casulo,
Apenas para tentar alçar voo, falhar e ser engolida pelas dores do mundo.
Nós agora somos passado;
Foi assim que pereceremos.
Me lembro bem dos sonhos que tinha
- Sobre um morro de carvão onde os monges caminhavam,
Descalços, jamais urravam ou gemiam, pisavam firme.
Lá em cima, não havia leito para se deitar,
Lá em cima, não havia sono à saciar,
Apenas os pés descalços sobre as dores do que já havia virado cinza. -
Tais sonhos agora são passado.
[Tenho para mim que jamais serei monge]
Aqui, a verdade é a sarjeta.
Dela brota todo tipo de vida podre,
Que se arrasta pelo chão frio à implorar por socorro.
E foi assim que um dia, no passado,
Vieste até mim e nos abraçamos.
Aqueles abraços, agora, são passado,
E - embora estejamos lado a lado -
Sequer somos capazes de tocar um ao outro.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

A Casa Abandonada

Desamarrarei as sandálias, sujas de lama
Para que possa adentrar a Tua morada.
Virei, como servo e de joelhos,
Para que cuspas em mim e me faça enxergar que,
Depois de tanto pisar sobre as sementes,
Fiz com que nenhuma árvore de meu jardim produza frutos.
É culpa minha, eu admito,
Mas é um ano de frio amargo e cheio de pragas e..
Tenho certa dificuldade em lhe pedir perdão
Por ter amaldiçoado nossos filhos,
Rogando contra os justos, maldizendo os ricos,
Mas é que amor, oh meu grande amor:
- Malditos sejam os ricos de espírito!
Sempre tão inalcansáveis,
Sorrindo de canto de boca
Dando as costas durante Teus discursos sublimes!
Como podem eles ter o reino de Deus?!
Também eu não mereço pássaros azuis à amarrar meus sapatos?
Como não posso tê-los sobre meus ombros
Com a graça e a leveza dos desgraçados anjos?
Já não sei por onde vagas, amor!
E resta apenas.. Na rua onde moro.. Uma casa abandonada
Que esperará por ti, ao longo dos anos,
E cujas salas, mesmo que tu retornes, jamais serão novamente..
tão quentes quanto antes.

terça-feira, 25 de março de 2014

Bruno, o Cadáver

Ninguém me viu chorar aquela noite,
Nem me trouxeram um copo d'água enquanto,
Em prantos, cuspia areia e folhas secas.
Fui sobrecarregado
Pelos fardos e pedras que a vida impunha
A neblina se tornou mais densa, meus olhos mais turvos,
O câncer, mais profundo e específico.
Me julgaram infiel, áspero. Apontaram os dedos
Os que não me viram chorar aquela noite.
Minhas mãos tremiam tanto que derrubei toda a comida,
E cinco dias fui cadáver até que alguém sentisse o cheiro.
O Diabo me fez uma visita, lembrava minha mãe - "Morto vazio não para em pé".
Vestiu uma alma triste com meus olhos e ossos,
E riu de mim por ser ridículo.
"Qual era mesmo a palavra que Deus usaria?" - Ele disse -
"Patético" - Respondi.
Gargalhou como nunca o tinha visto gargalhar.
O Diabo, ele mesmo, com todo seu calor humano, me pregou uma peça:
Corríamos de mãos dadas pelos campos de margaridas,
Quando, de repente, desapareceu.
Sozinho vi-as apodrecer sob meus pés
E o céu esvaziar-se sobre meu crânio.
Vi multidões como platéia de um teatro onde eu era escorraçado,
Enxotado pelas crianças, pisoteado por manadas de artistas e pessoas enormes.
Foram mais de vinte e um anos, cadáver humilhado,
Uma cena que se repetia à cada quando,
Em um exílio de cinzas de flores ao chão e de um céu repleto de ausência.
No fim destes tempos, o Diabo me apareceu pela terceira vez,
Eu, desesperado, corri ao seu encontro,
Esperava ter, de novo, alguma companhia, por pior que fosse.
Mas ele, agora, riu um riso triste.. Estava mudado.
"Vim apenas te buscar para que cesse,
Convenhamos, Bruno, cadáver bom é cadáver morto."

Os Ricos

Como são belos os ricos à dançar de mãos dadas.
E você, na sala de espera da vida,
Infiel, incapaz de ver um palmo à frente do nariz,
Acendendo fogueiras para que,
Mesmo que teu corpo adoeça
Pelo frio que expulsa até Deus de tua casa,
Talvez alguém venha, guiado pela fumaça,
Para jogar-te numa vala e cobrir com terra seca.
Dos ricos são as alegorias folclóricas
Que caçam na floresta teu cheiro
Pra trazer amarrada tua cabeça
À toda cabeça de quem não tiver pão.
E quando eles chegarem.. Eles e um exército
De bons homens mal remunerados,
Arrancarão os dentes de teus filhos e cavalos doentes,
Arrancarão de tua esposa o ventre e a estuprarão,
E de você já não haverá nada pra arrancar.
E quando partirem, além de tua casa em pedaços e cinzas,
E de teus sonhos transformados em esterco,
Deixarão a pior praga que disseminam, a triste e imbecil vontade..
De ser como eles.

Cego, Surdo e Mudo

Lembro teu nome, mesmo que seja em cansaço
E dançando sobre as cinzas de meu coração.
Cravo-o nos muros ásperos dessa cidade, agora vazia.
Parti e deixei-a, sob a chuva de outros dias..
E se fossem inda aquelas dores de outros dias,
Debaixo dos véus que calavam a passagem de outros dias,
Seria tudo menos assombroso talvez.
Mas o cansaço é de hoje. Teu cansaço em meus braços,
Em minhas têmporas, ainda bem vívidas.
Seria eu, em teu lugar, mais feliz e calmo?
Seria eu, no leito de morte, imóvel, ou
Meus pulmões, grisalhos, ansiariam gritar e cuspir pra fora todo o sangue do corpo?
Dias a fio passarei acordado em teu colo ausente...
Desconheço as formas de te dizer essas coisas, agora
Que teus ouvidos surdos me esquecem e esquecem o mundo.
Meu corpo é mais fraco sem ti e minha garganta, trancada.
Não sei se conheces-me amigo como deveria ser,
Não sei se alegram-te as flores que não entreguei.
Talvez reconheças melhor minhas costas,
Meu dar de ombros pra ti em dias difíceis,
Minha ausência, meu egoísmo.
Fui muito egoísta, eu sei. Muito não existi.
Ainda assim os muros hão de gritar teu nome,
Ainda assim, na periférica sarjeta dos dias duros há de perdurar
Teu grito sem voz, cheio de desespero, amaldiçoando-nos por sermos cegos.
Vamos sair, dessa vez, de mãos dadas.
Vamos sair, dessa vez, juntos de verdade.
E rir da besteira que foram esses dias..
Chuvosos.. tristes..
Cansados..

sexta-feira, 7 de março de 2014

Sob os Cobertores da Solidão

"Hoje deveria ser um bom dia" -
Disse a garota, aos prantos, em frente ao espelho,
Seu cabelo desarrumado, o tempo úmido..
Divertia-se como quem não se importa em deixar cair açúcar no chão,
E agora as baratas chegavam, ao apagar das luzes.
Os sonhos vivem ontem. Hoje é tempo de neblina.
Seu pai, sempre com seu péssimo hálito,
Incapaz de espantar as moscas, ainda assim,
Cambaleando pelo alcoolismo, gritava pela casa.
À ruína dos dias, porcos brindavam.
Como irritavam seus dentes de ouro ao cair nas frestas do assoalho!
Quão nojentos eram ao arrotar seus egos inflados!
A garota chorava sozinha.
Os espelhos turvos em que se observava,
Citavam mil garotas mais belas, em lista,
E ela via-se incapaz de encontrar sua capa de invisibilidade
Em meio a toda bagunça do quarto.
Caminhou até um velho colar que sua mãe havia lhe deixado,
Ao abrir a gaveta, todos os cupins correram por abrigo.
- "Mamãe, eu perdi tudo, não foi mesmo?
Cortaram minhas asas de fada, de anjo,
Emudeceram minhas conversas com as bonecas
E as despejaram de suas casas, não foi?
Submergir em suas águas já não me afaga, mamãe,
Volta pra casa!
Nem as cobertas me protegem na noite..
Quero fugir, me esconder em teus braços quentes,
Volta logo.."
No quarto, apenas as asas das baratas soavam..
Adormeceu sozinha, de novo.
"Amanhã há de ser um dia melhor"

segunda-feira, 3 de março de 2014

Sozinho

Sei que não você não está por aqui,
Te cacei por todos os cantos.
O tempo é duro. Dura demais..
Abram alas que a tristeza vem avassalar.
São as folhas lá fora, a poeira nos olhos;
Todo vento e dor apaga as velas e fecha as janelas,
Nem um inseto ousaria se aproximar agora.
Meus dedos estão congelando, meu amor não me sente.
Abro as gavetas, armários, Rasgo o peito, nada.
Já vi de tudo só de olhar no espelho -
Roendo as unhas, rangendo os dentes, Deus está aflito nesse fim de tarde.
Alguém se casa, em algum lugar do mundo,
Sinto cheiro de briga entre dois melhores amigos,
Perdem o apetite, a vontade de tomar banho.
Cada um tem sua casa, cada um cata seus cacos,
E, de dentro deles, não sangra nada que me lembre que estou vivo.
Não posso fumar em locais fechados, definitivamente.
Para este cachorro cego que me lambe os pés, não há nada aqui para se ver.
Esses pés não tem gosto, se não o da sujeira que o mundo despeja sobre eles.
Mesmo assim, os cães me parecem amar melhor que os homens,
Estes que são atropelados com grande frequência,
Que, estripados na sarjeta, te olham com ódio,
Que, quando tem as mãos arrancadas por roubos, choram,
Que se arrependem e tem o pescoço esticado em nós de uma corda áspera..
Que, assim como eu, estão sozinhos.
Que, quando nos fins de tarde olham pro céu e clamam por Deus,
De Seu amor não encontram nem vestígio.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Eternamente Fiel à Angústia

Mordo os lábios e mastigo o gosto amargo;
Alegre a manhã que tarda e mais ainda a que não chega.
No horizonte, a angústia é um pêndulo -
Onde deveria haver um Sol - enforcada e imponente, paira.
Baterá os dentes na noite eterna, a humanidade,
E cuspir nas vestes negras dos velórios,
E ante as pedras das tumbas de seus filhos,
E com os cães famintos, na madrugada.
Sentam-se nos tronos dos Deuses,
Atirando migalhas às pombas doentes e sem asas.
Todo o valor infinito das coisas
Está depositado em suas sombras
E os medos se tornam maiores,
Os amores, assombrosos corvos,
Que vivem dos cadáveres de outros amores,
E não há pedra sobre pedra que resista
Ao ódio esmagador de suas mãos.
E com mãos quais estas, humanas,
Odeia-me por ter virado as costas.
Mas se perdesse tudo que tenho,
Ainda assim teria as mesmas coisas;
O pó de meus ossos esmagados na madrugada,
E as veias de meus olhos abertos e secos.
Estes, afinal, estão livres -
Eu.. Servo da angústia enforcada nos céus,
Baterei os dentes, aflito na noite eterna.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Realismo

Credo-em-cruz e mais um monte de merda,
Só não tanto nos amigos.
Sentir cheiro de merda me traz nostalgia,
Lembra a adolescência,
As pessoas esgotadas [Cheias de esgoto]
Olham para copos vazios
E constatam estar de saco cheio.
E vieram muitos copos vazios, numa noite,
Até que me definissem como pessimista.
Mas nenhum deles estava meio cheio,
Então, como todo pessimista,
Em verdade, em verdade, vos digo: Sou um realista.
Desde quando vim pra cá,
Tenho sempre os mesmos problemas
Esses dos quais não se fala,
E que, por não se falar, não se resolvem nunca;
Em casa os espelhos, rachados,
Me trazem uma imagem distorcida.
Nas ruas, estes que me enxergam com clareza maior
Do que a com que consigo me enxergar,
Me apresentam à mim mesmo,
Alguém não menos distorcido que aquele dos espelhos.
Temo que assim seja.
Então meus amigos vem até em casa:
[Se gostam de mim, boa gente é que não são]
E eles dizem que tudo vai ficar bem,
Que um novo ano começou,
Que serão presentes em meus aniversários.
Hm... sei não..
Credo-em-cruz e mais um monte de merda,
Mas.. Nos amigos...


"Varra-me de uma vez"

Até que o Sol desista

Vou perturbar as ruas, aos berros,
Clamarão sob meus pés, os insetos, por piedade?
Ou, espreitando no escuro pelo tempo em que cairei,
Arrancarão de mim os dentes e a pele?
A culpa é minha se nada ficou pra trás,
Vou desaprender a andar, prometo.
Vou desaparecer na neblina de uma manhã cinzenta.
Os nós que não consigo desatar queimam por meu corpo;
Agora sei que a culpa é minha,
É fim de mês, as cobranças aparecem..
"Me acorde cedo, quero ficar mal humorado."
"Me acorde e me enforque" - foi o que combinamos,
Em tais noites.. Finitas, de vistas embaçadas.
E tua ausência pela manhã me provocava arrepios estranhos.
Nossos filhos seriam abandonados em latas de lixo,
Seus pulmões estariam cheios de fumaça e sem forças.
Estava quase pra te alcançar, quando os pés falharam,
O mundo era tão cedo, e a vida comprida,
Quase não soube reconhecer o que o tempo destruiu.
A vida agora é tarde demais,
E o Sol nunca mais nascerá.
Perturbarei-o, aos berros, até que desista;
Que dê as costas como fizeram todos.
Na noite as cobranças se afastam,
Na noite os vermes cobiçam
Na noite os mortos se abraçam
Na noite, me enforco, sozinho.